A Quaresma como tempo favorável no aprofundamento da paixão e morte do Filho de Deus nos faz refletir sobre e rezar esse mistério. Devemos fazer isso procurando aceitar que Deus não cabe no entendimento humano, mas pode dilatar o coração e ampliar o entendimento e a aceitação: Deus cabe inteirinho no coração do homem.  Seguindo as pegadas de Jesus, vamos entendendo quando Ele diz:  Vem e segue-me.   Segui-Lo, ouvir suas palavras - como fala, a quem fala, por que fala - observar seus gestos e atitudes são convites e desafios para  conhecer a sua missão salvífica.  Nem tudo vamos entender. As respostas do Filho de Deus implicam tempo e aceitação da necessidade de confiar. Crer é confiar. Crer é permitir. Crer, principalmente é aderir, entregar-se; numa palavra, crer é amar.  A fé é, ao mesmo tempo, um ato e uma atitude que agarra, envolve e penetra tudo o que a pessoa humana é:  sua confiança, sua fidelidade,  seu assentimento intelectual e sua adesão emocional.  Compromete a história inteira de uma pessoa, com seus critérios, atitudes, conduta e inspiração geral.

Estamos no Ano Mariano. Ninguém melhor que a Senhora das Dores para nos orientar no seguimento de Jesus.  Nunca se ouviu falar que Maria esteve doente, mas todos os evangelistas registram o seu sofrimento, sobretudo o silêncio de Deus.

Para começar, Maria concebeu Jesus em um ato de fé para ser coerente consigo mesma, pois vivia no templo pedindo a vinda do Salvador para tirar o seu povo da escravidão.  Sua vida toda foi cumprir a vontade do Pai com uma perfeição única, repetindo sempre o seu “Faça-se a tua vontade” (Lc 1,38).  Logo que o menino nasceu, quando da apresentação ao templo, o velho Simeão irradiado de alegria com o Filho de Deus profetizou que a mãe seria transpassada pela dor. “Uma espada lhe transpassará a alma” (Lc 2,35).  Quando da fuga para o Egito, do céu um recado: “Toma o menino e sua mãe, foge para o Egito e fica lá até que eu te diga outra coisa” (Mt 2,13).  Quando da perda e o reencontro do menino no templo?  A resposta do Filho a confunde: Não sabíeis que devo ocupar-me com as coisas de meu Pai? (Lc 2,49) E nas bodas de Caná?  Quando da preocupação da mãe, após vários dias de festa e o vinho veio a faltar, o seu Filho era o único com quem podia conversar, o que ela ouviu? “Ainda não chegou minha hora” (Jo 2,4). A grandeza de Maria não está em imaginarmos que ela nunca foi assaltada pela confusão. A grandeza dessa mulher está no fato de que quando não entende alguma coisa, ela não reage angustiada, impaciente, irritada, ansiosa e assustada, tem atitude típica dos pobres de Deus: cheia de paz, de paciência e doçura, toma as palavras, recolhe-se em si mesma e permanece interiorizada, pensando.

Embora não tenha pecado, a Mãe de Deus não escapa da dor, sequela do pecado. Sofre pelo Filho e pela missão do Filho.  A personalidade de Maria impressiona pela humildade e valentia.  Ao longo de sua vida, sempre procurou ficar na penumbra de um segundo plano.  Quando chega a hora da humilhação, avança e se coloca em primeiro plano, digna e silenciosa. O evangelista Marcos conta que, no Calvário, havia um grupo de mulheres que olhavam de longe. Mas João, que presenciou tudo, indica que a Mãe permanecia ao pé da cruz. 

Como mãe, percorreu a desolada via dolorosa, vestida de dignidade e silêncio. Não reclamou, não protestou.  Quando não entendia alguma palavra, guardava-as em seu coração e as analisava serenamente.

Que o exemplo de Maria e esse tempo quaresmal nos ajudem a silenciar e refletir sobre tudo que Deus tem feito em nossas vidas.

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Pe. Aurélio Mariotto